Eram três horas da tarde e eu estava na janela da cozinha do meu apartamento, observando ao redor. O clima, se ia chover ou não.
Moro no terceiro andar, então consigo uma vista bem
ampla de uns bons quilômetros a frente. Detectei que havia uma quietude desconfortável nas
ruas; absolutamente em todos os lugares que meus sentidos pudessem captar. Praticamente
não havia nada para se ouvir e não havia sequer "uma alma penada", como diria mamãe.
Bem, era uma tarde rotineira de segunda feira útil.
Havia, contudo, carros passando. Alguns procurando emprego, talvez, outros trabalhando,
outros tantos desocupados procurando a esmo algum excitante divertimento escuso. O clima
agradável, o sol ameno e a brisa fresca pousavam sutilmente sobre meu rosto como uma
mariposa ao pousar sobre a pele. Uma calmaria aprazível que me paralisou por alguns
duradouros segundos.
De súbito, sons distintos me despertam e percebo que há uma criança
chorando, uma mulher gritando e bem no limite do alcance de minha visão vejo uma
ambulância em alta velocidade ignorando qualquer que seja o limite estabelecido naquela
avenida. Meus sentidos me alertaram que coisas ruins estão acontecendo. Novamente, como
se saísse de mim, me ponho a digredir:
Coisas ruins estão acontecendo.
O que será essa calmaria toda? Apenas um disfarce que acoberta
o sofrimento humano? A criança chora porque algo não está a satisfazendo de alguma forma;
a mulher grita e perde a razão porque não aguenta o choro daquela criatura; a velocidade
com que aquela ambulância passou sugere que alguém está gravemente ferido. Por um
momento tudo pareciam flores. As pessoas passavam, exercendo suas responsabilidades,
cuidando de suas vidas, buscando suas próprias satisfações e objetivos. E nada
parecia fora do lugar. Mas e dentro das casas e das ambulâncias?
As coisas não são como parecem ser.
Me vem à memória aquele icônico zoom dentro de uma orelha humana decepada, em
Veludo Azul. O recurso é utilizado para estabelecer uma transição de momentos, um puxão de tapete, revelando toda sujeira oculta em detrimento da morosidade
dos jardins bem regados e verdejantes.
Eu poderia crer numa existência monótona e pacata onde as pessoas extraíssem belíssimas
poesias das banalidades de seu cotidiano insosso. Gostaria de crer que fôssemos todos Paterson. Mas de volta de minhas
digressões e para dentro do meu smartphone, aciono o aplicativo de notícias, no momento
em que leio em destaque:
"idosa é amarrada e morta dentro de casa em Americana".
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